"Dor, húmus da alma humana"
10/04/16


 

"Não pretendo aqui esmiuçar os porquês últimos do sofrimento, mas apenas tentar enxergar o que há de “bom”
em situações, via de regra, desagradáveis"


O sofrimento é parte inevitável da vida do ser humano. Por mais que tentemos fugir-lhe, cedo ou tarde, acabará por alcançar-nos. Por isso, é preciso aprender a aceitá-lo e aproveitá-lo. Veremos, então, que a dor pode ser uma preciosa aliada no nosso crescimento humano e espiritual.
Este texto é para cada um dos meus amigos e amigas, colegas e conhecidos que têm ou tiveram dores a desaguar, das menores às maiores. Represei algumas das que conheço e agora as devolvo transfiguradas – indolores – por uma visão antropológica, no mínimo, esperançosa: a dor é o húmus que fortalece o homem e o faz maior e melhor do que ele imagina ser capaz.
O mérito dessa transfiguração não é meu, mas dos filósofos, antropólogos e pessoas sábias que pensaram sobre o assunto, sofreram e voltaram – provavelmente daquele poço profundo de que tanto se fala – trazendo nas mãos um luzeiro.
O sofrimento é algo próprio do ser humano, cuja psicologia tende a sentir-se atraída por aquilo que é bom – como o prazer e a esperança – e a assustar-se ou incomodar-se com o que é contrário ao seu bem-estar, como uma doença já instalada, uma rejeição ou mesmo a possibilidade futura de perder algo que lhe é caro.
“Quando o sério se torna interminável e parece talvez definitivo, sobrevém o sofrimento e desaparece a alegria: tudo parece, então, destinado a fracassar, e o mal, o pranto, a doença e o cansaço desdobram suas sombrias asas sobre nós. É uma região inevitável. Ignorá-la é manter-se no sonho. O homem, não há engano possível, é constitutivamente limitado, e assim o experimenta de múltiplos modos. A dor, em todos, é algo que já aconteceu, que está por aparecer, mas que sempre sairá ao nosso encontro (pelo menos no limite da própria morte)”, explica o filósofo espanhol Ricardo Yepes Stork no livro Fundamentos de Antropologia – Um ideal de excelência humana.
Não pretendo aqui esmiuçar os porquês últimos do sofrimento, mas apenas tentar enxergar o que há de “bom” em situações, via de regra, desagradáveis. Apesar de existirem respostas sólidas para muitos desses porquês últimos, oferecidas tanto pela filosofia quanto pela religião, é provável que a resposta mais convincente será encontrada no interior de cada pessoa que padece ou padeceu algum desgosto.
Com o passar do tempo e com a assimilação da dor, um panorama de compreensão se descortina na vida de quem sofre. As dores padecidas – cicatrizadas ou ainda lancinantes – passam a fazer sentido dentro de histórias pessoais, com nome, sobrenome e um contexto próprio, irrepetível. É como juntar as peças de um quebra-cabeça. Uma dor se encaixa em outra, e em outra, e em outra. Entre elas, encaixam-se cenas da vida aparentemente vulgares que, quando ladeadas pelas cenas ásperas do sofrimento, ganham um sentido mais claro, mais profundo, talvez. A imagem do quebra-cabeças, então, começa a se formar, e aqueles sofrimentos, que isolados pareciam completamente absurdos, unidos em um quebra-cabeça fazem um sentido incrível, enunciam respostas e dão a conhecer o título da história de vida de quem ousou se debruçar sobre as próprias dores e perscrutar-lhes o sentido. Quando encaixada a última peça, gostando ou não da imagem formada, muitos dos que padecem chegarão a dizer: precisei sentir essas dores para entender e aceitar aspectos fundamentais da minha vida e que, nos momentos de gozo, eu era incapaz de abarcar.

 


TRADUÇÃO

Por:Sabrina Duran
Fonte:Filosofia para usar